sábado, 25 de dezembro de 2010

Uma sombra de asas

Estou de passagem por aqui
e hoje sei que não preciso de nenhum ninho,
me bastam as pedras do rio para pousar.
Entre um vôo e outro, uma refeição, um cochilo sob o sol.
Me agradam noites de vento, manhãs quentes e as chuvas repentinas.
Mas nada disso me pertence, só é possível contemplar e sentir.
Eu também não sou deste lugar, apenas aqui estive,
e aqui me sentiram e talvez se lembrem.
Comigo só tenho a vida,
e ela é tão cheia de mistérios
que prefiro ser muito simples para entende-la.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O eco da gruta

Dor, insônia, lágrimas.
Estou exausta, retalhada, em carne-viva.
Nas minhas costas há um mapa que eu não posso ver,
mas que mostra o caminho para um bom lugar.
Estou algemada, afogada em milhares de ânsias.
O peso do mundo caiu um dia sobre meu peito
que de tão oco não aguentou e cedeu.
Por mais que eu respire fundo,
não é de ar que se enche um peito.
Estou doída, seca, rouca,
a ponto de virar uma grande sábia.
Vou dizer aos outros para não serem como eu,
que continuem tolos, cegos, amando.

(16/11/2010)

sábado, 20 de novembro de 2010

Meu processo de criação

Carrego minha poética no bolso,
onde vai chacoalhando em pequenas pílulas.
Cada brisa, cada palavra trocada, cada sorriso de criança
é motivo para engolir uma e mais outra e outra.
Até que alcanço uma estasiante overdose
pela qual me debato em busca de papel e lápis.

(23/08/2010)

domingo, 14 de novembro de 2010

Método científico

Você foi categoricamente, analisado, classificado, catalogado,
dissecado, desmentido, desmascarado um segundo após nosso primeiro beijo.
No segundo beijo todos os meus conceitos já foram por água abaixo.
Em seguida, a cada supiro, a cada arrepio e gemido uma pista, um signo, um ascendente,
e um levantamento histórico das suas últimas transas.
Você me aperta, me alisa, me morde,
e num griro mudo de prazer eu caio em contradição e não entendo mais nada.
Ao final, seu sorriso cansado e suado explica tudo.
Agora que nos conhecemos, me diga, qual é mesmo o seu nome?

domingo, 7 de novembro de 2010

Bebê de colo

Tenha coragem, homem!
Me ame, me tenha antes que eu derreta.
Essa sua indecisão me mata.
Assuma sua meninez e deite no meu colo,
Eu posso te embalar essa noite e basta.
Amanhã é minha vez de choramingar e arranhar suas costas.
Esqueça a família e sua garotinha de plástico.
Prove da minha instabilidade ardente,
De noites em claro e manhãs de preguiça.
Lave minha louça suja que eu não conto nada pra ninguém.

Ex-suicida

Minha memória é do teu corpo.
Tua pele clara, lisa e fria.
Não lembro do teu rosto,
Mas do teu olhar negro e louco.
Teu sorriso social esconde uma fúria imensa.
Me esqueço da tua razão cega, sedenta de calor.
Queria te lavar de toda mágoa e equívoco
E te dar um choque com a verdade do mundo que vejo.
Te mostrar, com carinho, toda a dor alheia.
Mas desisti de ti.
Minha memória é do teu corpo
Inerte, morto.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Quarta-freira de cinzas

A festa acabou,
Não sou mais Colombina.
Aprecio o último gole
Enquanto brinco no mar de confetes.
Retorna meu Pierrôt,
Com seus beijos doces e carinhos.
O dia nasce.
A luz do sol ofusca o brilho das lantejoulas
E derrete a pintura em nosso rosto.
Volto a ser um mesma,
Em minha turva lucidez.
E tu, continuas Pierrôt.

O Carnaval chegou ao fim,
A vida vai tomando seu rumo
E entre a multidão procuro um Arlequim.
Adeus, Pierrôt,
És um sonho de verão.
Fica seguro em teu ninho de serpentinas.
Minha cinzenta Veneza fica insensível aos teus gracejos,
Até o próximo Carnaval.

(17/12/2007)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Lua de Sangue

Hoje a lua cheia não apareceu,
Ficou escondida atrás de nuvens negras.
Era uma lua vermelha, uma lua de sangue.
Uma lua manchada com meu sangue.

Essa noite ela se mostrou só para mim,
E, cúmplices, nos fitamos longamente.
Uma compreendendo a outra,
Buscando uma saída, algo que estanque a hemorragia.
Ambas num momento de fragilidade,
Banhadas em desilusão.

Duas deusas que esqueceram sua divindade
E deixaram ferir seus corações imortais.
Perdoar o Sol, perdoar o homem,
Está além da nossa bondade.
Mas não podemos impedir o dia de nascer amanhã.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Das coisas

É daquelas que a gente quer e nem sabe,
e que sem ter nunca saberia.
Que não sabia a cara que tinha
e com que cara te deixaria.
Dessas que dão saudade sem nunca ter tido a companhia.
Dessas coisas que eu, sem saber, já sabia.

(13/06/2010)

terça-feira, 27 de julho de 2010

Na velha cabana

Minha vida agora será nos livros, no papel e no lápis
Na xícara de chá, nos biscoitos, no café com conhaque
No som da chuva, do vento, dos pássaros
Da música fluída e sem letra
Na tranquilidade, imparcialidade, no ar que entra e sai
Na felicidade solitária e generosa.
Minha vida será no presente, na alma, será limpa.

(02/06/2010)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Celofane

Mais uma vez estou ao vento.
Mas já não tão leve como antes,
Guardo lembranças, esperanças, saudades.
Uma caixa de bombons vazia,
Cheia de papéis coloridos e melados
Que ninguém teve coragem de jogar fora.

(18/05/2010)

terça-feira, 6 de julho de 2010

Estranhos

Entre vagos suspiros percebo
As afinidades que unem nossas mentes.
A compreenção, a confiança, a real amizade.
Quase um amor de infância.
Uma afinada sintonia na palavra e no gesto.
Uma sublime sincronia no desejo do toque,
Inocente, inconsciente, inconsequente.
Vontade de fechar os olhos e esquecer o mundo.
Deixar as máscaras e estabelecer o contato,
E o tato, e o laço, e o caso.
Se não fosse a realidade tudo seria perfeito.

(10/07/2008)

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Relato

O garoto parecia um pêssego fresco,
Macio, aveludado, doce.
Cabelo dourado e olhos de céu.
E eu era Blanche Dubois realizada.

(26/04/2009)

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Minha querida ilusão

Em uma noite de cheiro quente,
Todas as luzes se ofuscam,
Me divertem, me embriagam.
Eu corro e danço no meio dessa gente,
E não ligo para o que pensam.
É a você que eu quero chegar,
É a mim que vamos celebrar.

Uma madrugada eterna era o que eu queria,
Iluminada e salgada.
Mas o sol apereceu enquanto a gente dormia,
Transformou nossa festa em porcarias jogadas.
Eu levanto e parto,sem esquecer de nada,
Porque o dia estraga qualquer conto de fadas.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O suor da noite

As coisas se encaixam na minha mente desajustada.
As pequenas loucuras inocentes e discretas
Mostram a cara e tomam formas cruéis e assustadoras,
Espetam agulhas em meu peito,
Insitam dores agudas e medos ilusórios.

Fantasmas ocultos da inconsciencia
Assombram minhas noites solitárias,
Projetam suas sombras nas paredes do meu presente,
Alimentam a melancolia dessa vida vazia.
E meu ninho quente nessa sinistra madrugada
É a insanidada de aluguél.

(28/03/2007)

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Nua e crua

Sexo sem amor não é nada,
É masturbação mútua.
Pode ser feito entre dois, três,
Quatro, dez pessoas,
Mas é sempre cada um por si.

Camisinhas por toda a parte.
Camisinhas nas orelhas
Para disfarçar os gemidos falsos
E proteger do risco de algum verdadeiro.

Quando acaba, e acabamos uns com os outros,
É aperto de mãos e adeus,
Tenha um bom dia.

(09/01/2010)

Abstinência

A comida perdeu o sabor,
Meu trabalho não compensa.
Na roupa suja, um cheiro que não é meu.
Os sentidos desenganados,
Embriagados em memórias.
Minha língua buscando teu gosto.
Sou capaz de lamber as paredes por um gole de ti.

(12/11/2009)

Síntese

Meus relacionamentos são como flores que se colhe pelo caminho, desfruta a beleza, o perfume...mas uma hora fica para trás, e eu sigo.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Lapso

Corro contra o tempo,
Pois os grandes são imortais.
As paredes são de água limpa,
Oprimem as sujeiras da mente.
Na melancolia do futuro
Os dias se esvaem,
Como o ar do último sopro.
A grande ilusão começa a turvar.
Recuso o ventre que me concebeu,
Seu sangue quente é um veneno.
As cobras desse ninho sugam minha alma e sonhos.

(25/02/2008)

Tive um sonho...

Que coisa é essa que você tem,
Esse cheiro, essa pele?
E trás toda a delícia dentro da boca.

(10/05/2009)

O chá.

Ainda sou eu mesma,
mas não sou mais inteira.
Sou metada do que nos tornamos.
Até o chá ficou pelo meio
em cima da mesa,
depois da última noite que tivemos.
Tento seguir com minha vida,
mas é meia vida.
A outra metade está na tua mão.

(2006)

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Peste Negra

Algo se apodera de mim
Me cega, me engana, me destrói.
Algo que não estava aqui a pouco,
Derrepente me invade e me domina.

Da minha boca saem facas.
Meus olhos em chamas.
E meu coração comprimido
Não consegue desaguar.
E meu coração dolorido
Não consegue amar.

Algo veio e me prendeu num poço,
Me roubou a luz e a beleza.
E essa mancha negra se espelha.
E essa doença contamina o que há ao redor.

Onde está minha brisa de aurora?
Onde está o canto do Sol?
Me resta ainda o sopro da fênix
E no meu peito uma luz começa a brilhar.